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terça-feira, 24 de agosto de 2010

O livro dos finais





Todos os dias à mesma hora a menina passava em frente àquela livraria. Encostava seu rosto miúdo junto à vidraça e contemplava aquele mundo fascinante de livros que lhe traziam cores de outros mundos e histórias de outras vidas. Eram tão lindos aqueles livros. Tinham um colorido ímpar, com imagens nas capas que prendiam seu olhar por minutos a fio.

Dentro da livraria, junto a uma escrivaninha que já havia conhecido muitos mundos, ela era observada sem saber. Ele já a esperava. Sabia que ela viria. Marcou a página que estava lendo, fechou o livro e ficou olhando para ela. Não se lembrava há quanto tempo àquela menina prendia seu olhar através da vitrine. Lembrava-se apenas que fazia muito tempo. Todos os dias, à mesma hora, do mesmo modo. Era como um ritual sagrado da espera. Quantos ela anos teria? – pensou. Será que sabia ler? Notava que seu olhar prendia-se nos livros mais coloridos.

Numa certa noite, antes de fechar a loja e subir para sua vida de rotinas metódicas, escolheu de dentro do armário de guardados mágicos e sagrados um livro especial: o livro dos finais. Era mágico! Cada pessoa que o lesse, leria uma mesma história com um diferente final. Ninguém jamais se decepcionara com aquele livro. Para cada um o final esperado. Embrulhou-o para presente e aguardou o dia seguinte.

Quando a menina novamente chegou, ele já a esperava perto da porta e aproximando-se lhe ofereceu o livro. É um presente – disse. Ela olhou para o livro por alguns instantes e como se tivesse sido ferida se afastou. Não posso aceitar – falou enquanto seus olhos fixavam-se além dele. Em minha casa – continuou – os livros são proibidos. E partiu.

Durantes vários dias ele esperou. Sabia que voltaria. Uma vez conhecido o mundo dos livros é impossível abandoná-lo – dizia em tom baixo para convencer a si mesmo.
Quando finalmente ela reapareceu encostando seu rosto e suas mãos espalmadas junto à vidraça, encontrou o livro que ele lhe oferecera, aberto na primeira página. E assim, durante os dias que se seguiram, ela encontrava o livro na página seguinte e na página seguinte, até que finalmente o livro chegou ao seu final. Que final? – pensava ele curioso. Nunca mais se falaram. Não era preciso. Eram cúmplices naquele silêncio. Eram cúmplices naquela história cujo final ele desconhecia. Porque naquele livro mágico cada final era diferente.

Terminado o livro a menina nunca mais voltou. Ele, então, voltou a guardá-lo no armário dos guardados sagrados e mágicos, à espera de um novo olhar preso junto ao vidro. Nunca ficou sabendo o final nem mesmo que a menina não sabia ler. Em sua casa livros eram proibidos.


imagem_ adianez
música_alma nua _ vander lee

11 comentários:

  1. Um amigo que me lê comentou que só escrevo sobre tristezas. Perguntou se não era capaz de escrever alo feliz. Nunca havia pensado sobre isso. Escrevo sem nem pensar sobre o que escrevo. Sinto e escrevo.
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    Desta vez fiz diferente. Imaginei algo antes. Mergulhei numa situação, tentei ser personagem.
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    Meu amigo Livreiro. Não sei se vais gostar, mas, nesse momento, é mais próximo que consigo chegar de um final feliz.
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    Mas tem a música * rs. Ela é linda!
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    Um beijo aos que passarem
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    ...

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  2. Tristezas tb alegram os corações, e vc sabe que escreve lindamente. Fico aqui quietinha escutando na paz. Beijos Mariinha!!!

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  3. os olhares presos junto ao vidro não seriam os nossos, junto à vida???
    muitas histórias chegaram até o "meu vidro", nesse momento...

    abraços, Marry!

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  4. Esse com certeza não foi triste. Entendi como uma boa reflexão à necessidade da leitura,principalmente para crianças. Ler é uma gostosa aventura sempre. Pena que a menina não pôde viajar porque não sabia ler. Mas tinha vontade.Beijos

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  5. Bom dia a vocês.
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    Gosto de ver a maneira como cada um junta os pensamentos através das palavras deixadas. É bela a diversidade, essa que nos mostra que cada pessoa é única, que cada pessoa percebe o mesmo mundo de maneira tão especial, tão sua, tão única.
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    Obrigada a vcs! Meus beijos!

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  6. Que chic!
    Esse éo primeiro, do livro " Contos montenegrinos de Marií" Parabéns!!!

    Gostei demais.

    Joshuatree

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  7. Ora, meu livro já tem nome? rs
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    Nunca pensei em escrever contos! rs
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    E o nome do meu livro é : A Névoa
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    (será que me daria bem escrevendo contos? ) *rs
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    Até, B.

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  8. Parece que o meu amigo dos livros não gostou do texto com final feliz! rsss
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  9. VC é personagem,você se colocou no lugar da menina que todos os dias olhava pra dentro da livraria,e sabia que era observada,e sabe tambem que um dia ira voltar,porque vc sabe ler,e não é proibido livros na casa desta menina .........gostei........beijos

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  10. Boa noite, dos livros
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    O 'não saber ler' muitas vezes se refere ao fato de não compreendermos o que está alem do 'vidro', o q está junto de qm está ' do outro lado'.
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    é, talvez um dia a menina volte. Quem sabe quando aprender a ' ler' , né? rs
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    Obrigada pela visita e pelo comentário
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    Beijo

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