Sombras

A tarde perdia-se em raros momentos de beleza. A mulher caminhava nessa tarde. A multidão apressada caminhava à sua volta. Mas a mulher não tinha pressa - não naquele momento. E nem percebeu a multidão, pois, naquele momento, percebia somente a si mesma. Percebia um sentimento proibido que ia se enraizando dentro dela: misterioso, tentador, fascinante.

As pessoas continuavam a passar por ela e ela lentamente passava pelas pessoas, por dentro delas, como se nem matéria tivessem. Naquele momento não eram importantes. Caminhava como um cego num jardim florido, sentindo sem nada ver. Como se aquele momento fossem só ela e sua sombra. Ambas precisando da luz para existir. Olhou para a ela e notou que a sua sombra nada mais era do que o reflexo da vida que nela existia.

Pensamentos fervilhavam, irritando-a pela desordem em que se mantinham. Queria tanto ordená-los, porque só assim, sabia, conseguiria entendê-los. Caminhou até a beira do rio e por sobre ele vislumbrou um belo arco-iris. Encantou-se com suas cores, com o que ele alcançava, com os lugares para onde ele poderia ir. E desejou voar sobre ele.

A chuva recomeçou. Fina, mansa, miúda. Molhando sem sentir. Chegando sem avisar. Ela olhou para as águas turvas do rio, pensando em como seria doído mergulhar nelas, da mesma forma como era doído mergulhar para dentro de si mesma, mergulhos dos quais ela temia não sobreviver. Estava mergulhada naquele momento e o ar começava a lhe faltar. Precisa respirar entendimento, precisava respirar! Mas ao seu redor só havia a confusão que, fazendo o papel da água imunda do rio, teimava em afogá-la. Tossiu várias vezes,engasgando-se com a própria dor. Sem nada conseguir entender. Fechou os olhos e desistiu de lutar. E assim permitiu ser tragada para o fundo, cada vez mais para o fundo, longe da luz que, tênue, ainda fazia sobreviver a sua sombra...


imagem_sombras_ mariana bravo
música_ somewhere over the rainbow - eva cassidy