Mudanças

Segui-se uma época estranha. Ela, acostumada à proteção, chegou àquela terra árida, infértil, à mercê das suas próprias fraquezas, dúvidas e indecisões. Da proteção, pela qual acostumara-se a pagar um alto preço, descia agora os degraus para um novo mundo. Desconhecido, misterioso e irresistível mundo. Sentia-se, naquele momento tão esperado, decepcionada. Não parecia ser o que sempre pensava ser. Um vento perpasssou-lhe alma:gélido, indiferente, solitário.

A máscara da proteção ainda estava caída ao chão,ao lado de todas as suas antigas ilusões. O rosto que se mostrava, era agora, sem a máscara, de uma crueza que a assustou.Um rosto que de tão conhecido, desconhecia-se. Era um rosto de terra, de amargura, de perseguição. Por mais que ela corresse, por mais que o tempo passasse, o rosto sempre a alcançava. Encolheu-se, assustada e não mais correu e para manter-se assim, para sempre, pediu ao tempo que parasse de correr. O tempo lhe sorriu, de forma sarcástica e continuou a correr, correr, correr...

Ficou assim, não se lembra se por horas, dias ou meses, encolhida, pensando, numa entrega a si mesma, sonhando com uma nova e desconhecida suavidade, ouvindo o vento, ouvindo a chuva, esperando o Sol. Próximo a ela, um rio corria velozmente, tudo pressentindo, repleto de simpatia, de curiosidade e de vontade de compreender aquela criatura encolhida diante do tempo. Mas ao rio também era negado o direito de parar, e, embora sem sarcasmo algum, teve também de correr, correr, correr...

Ela nem ao menos conseguiu chorar. Ficou assim, como se vestindo um traje que já não lhe cabia mais, até que, ao sentir o último compasso do tempo, despojou-se de uma forma de vida que não mais lhe pertencia, e lhe era inadequada, despedindo-se então, atendendo a um apelo exterior, com horas de extrema ventura e de irradiante consciência de si mesma, da sua importância, sua força e de tudo que era capaz de fazer...



imagem* américo da conceição
música_ da eva cassidy _ autumn leaves