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segunda-feira, 21 de junho de 2010

carta quarta












Caro amigo,

Fazendo andanças por esta casa herdada, encontrei um velho, velhíssimo bau. Curiosa, dei uma mirada nos amarelecidos papéis trincados por baratas e traças, antes de arremessá-los ao fogo. Não imaginas o que encontrei. Duvido que acertes. Antes de te contar, estenderei para mim a alegria de te saber indócil, e eu de cá, sem desenrolar o novelo. Segue a este escrito aquele que eu encontrei. Quero dividi-lo contigo, porque, como sabes, tenho essa necessidade sempre urgente em dividir tudo contigo.

"Há muito tempo que não consigo participar de salões de luzes, flores, bandejas de prata com taças de cristais carregadas por luvas brancas. O que mais me fascinava nesse mundo era não precisar repetir a roupa. Nesse momento, ao qual me refiro, vestia um longo vermelho e olhava-me em vários espelhos. Meu rosto vivia recoberto com camadas e camadas de brilho iludindo a vida. Meu dono, acompanhava-me silencioso. Descemos solenes, a escada de mármore, seguindo por alamedas recobertas com tapetes de flores e folhas, chegando assim à casa da festa onde os donos, também no topo da escadaria de mármore, esperavam os convidados, vestidos de vermelho, em homenagem a uma Santa chamada Bárbara. Vê, a casa pertencia a devotos. Festejavam os mortos enquanto esfolavam os vivos.

Tudo ali corria no mais alto brilho. Os assuntos, os de mais alta sensibilidade e importância: viagens, jogos, novas jóias, mudanças de casas e sobrenomes (o que às vezes trazia certa insegurança). Ai, ai, trabalhoso fazer parte do grupo exigente de tantas virtudes. Em verdade, em verdade, é assim. Ou talvez as situações se encobrem com ricos estratagemas?

O amor sempre serve para absolvição. É até bonito, nobre, nobreza de tamancos, saias e calças esfarrapadas. Mas nobre. A coroa pairando sobre as cabeças, tudo é permitido. Mas havia um problema. O dia tendo vinte e quatro horas, era difícil ser gasto. O vazio precisava de substância. Dizem, toda regra tem exceção. Portanto, para confirmar a regra, havia o grupo diferente. O que pregava igualdade e compaixão...

Sentia-me imperatriz de um reino, principalmente quando percebia que se fazia nos salões um jogo muito inteligente; os sobrenomes citados com aprumo e grandeza. Até mesmo meu dono não deixava de perceber o que tinham de importante. Havia muitos daqueles nomes antigos, mesmo gasto por escândalos e fraudes, não perdiam o peso. Meu dono perguntava: quantas barras de ouro?

E se uns não gostavam de outros, ou os olhavam com nariz franzido, tudo era desfeito num instante mágico: barras de ouro. Até os que tinham submetido a multidão a pão e banana, até os que tinham submetido à multidão o direito de espumar os corpos uma vez por semana, emprenhando assim os cofres desta economia transitória de justiça, os outros que se escondiam atrás das testas de ferro, os exploradores de jogos escusos, burladores de leis civis e humanas, transformavam-se logo em pessoas de bem: quantas barras de ouro?"

Não suportando mais, interrompo para te falar um pouco. Acabo de descobrir: isso não foi escrito há tanto tempo quanto pensei. Existem, no meio das folhas velhas, outras absolutamente intactas. Nem mesmo amareladas, não é estranho? Ainda não sei, mas a coisa é incrível para ser do passado e muito sem novidade para ser do presente. Perdoa o aparte.


imagem_ voltas e revoltas_paulo castro silva

5 comentários:

  1. Prego dentro da espiritualidade que tudo é justo. Que cada um recebe na medida exata do seu merecimento.
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    Mas há momentos, como este, que custo a acreditar no que eu mesma prego.
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    É como se a voz que ouvisse enquanto falo, nem fosse a minha voz, mas a voz de alguém que tenta, de todas as formas, me convencer...
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    Prossigo, porque nem dá para recuar...
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    A vocês, meus amigos, que me leem, deixo o mais esganadeiro dos abraços... Alguma serventia eles devem ter!

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  2. ....cara Criatura, à parte das partes, os avatares existem tomando [formas] muito próprias, expelindo estados, que fazem lembrar as máscaras de um Teatro Grego, podendo o mesmo [ente] recorrer a diversas máscaras, o que lhe dará um cunho mais humano e repleto de um perfil de acaso, uma vezes, [mentiroso] outras[cientista quântico] e quem sabe até[J.Ardin]. Aqui, é onde os demais eleitos [delá] podem funcionar como coro e podem permanecer nesta encenação prolongada[mente], ora um sendo o actor principal e os outros o coro, ora trocando o protagonismo...

    De quando em quando paira [lá] uam situação de crise, uma contenda, uma querela, trocam-se palavras de amargo e nota-se um silenciar cego da maioria das Criaturas..os[as] envolvidos na guerra ou se silenciam ou desaparecem ou por traços de personalidade não vergam e continuam a existir..se bem que cada vez mais herméticos e irreais, marcam a existência para evitar o esqueci[mento] e, a meu ver, para garantirem aos demais que sintam que não obstante não participarem nas [estórias] à volta da [mesa] dos Hordes Hunas e cia&ltª, que observa, e que afinal[espanto] têm os olhos bem abertos.

    Aprendi que não basta falar ser reconhecido e visível, é preciso ser-se [único], ser-se aquele [ser concreto] e indivisível, mesmo que se dê ao prazer de se dividir em várias formas [entende camarada], há que garantir ao demais a fácil constatação d ser uma pluralidade da mesma unidade...

    ps: perdoa-me o à parte Doce Criatura...adorei a "tralha" que tens no baú, e não...não estou a implicar contigo, só[mente] sinto q és diferente.

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  3. Somente posso mirar e aqui sentir. Mariinha, beijos

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  4. Mô, meu bau é mesmo cheio de tralhas rs
    Gosto de tê-las, não à vista, mas à mão. Mesmo que não use a maioria delas, gosto de sabê-las lá.
    Gosto que venhas e gosto do que deixas.
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    Um abraço com carinho.
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  5. Pantufinha.
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    Tens um jeito suave de pisar, de chegar, de te fazer sentir que é único. Obrigada pela presença.
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    beijo!

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Obrigada pela presença.