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quarta-feira, 9 de junho de 2010

carta primeira















A carta


Caro amigo,

Sei que vais achar estranho receber esta carta, num tempo em que pouco escrevemos à mão; num tempo em que os dedos perdem o hábito de segurar uma caneta, mas apertam teclas numa ânsia incessante. Mas sou assim, meio que às avessas. Tenho essa mania de escrever e gosto de algumas coisas feitas do modo antigo. Gosto de cultivar alguns hábitos e algumas tradições.

Sento -me em frente à minha escrivaninha - é, ainda é a mesma - tiro da gaveta o papel branco, escolho a caneta que deixa minha letra mais legível e ponho-me a escrever. São tantas as coisas que teria para contar, mas limito-me ao que me parece mais importante, para que a carta não chegue aí, em ti, com aspecto de um jornal. Torço para que minhas letras cheguem até ti como a suave voz do vento.

Minha mão corre pelo papel, como um médico deixa correr o bisturi pela pele nua. Enquanto o sangue escorre, vou traçando caminhos que para ti serão novos e para mim, o repetir de tudo que está em minha mente. Deixo que as letras se agrupem, da forma que elas querem, formando, eu sei, algumas frases insanas e sem sentido. Assim como parecemos às vezes: insanos e sem sentido.

Quero te contar sobre um lugar, o lugar onde estou a viver atualmente. Sim, mudei de cidade mais uma vez, sempre na busca do lugar perfeito, da vida perfeita, da tão falada felicidade.

Cá entre nós, às vezes penso que isso de felicidade é uma tremenda pegadinha que algum capeta travesso aplica em todos nós. Porque quanto mais a procuramos, mais ela se esconde - isso se é que ela realmente existe. Procuramos a felicidade em cada Estação em que passamos ou chegamos, mas penso se no fundo a felicidade não estaria na própria viagem que fazemos em busca dela.

A cidade é pequena. Ainda encontramos nessa, muito verde; um rio que corre preguiçoso, sendo observado da beira do cais por dezenas de pessoas todos os dias. Elas vão até ele, numa peregrinação diária. O que será que tanto buscam diante dele? Será que o veneram? Terei que me lembrar de averiguar isso assim que a oportunidade surja.

Há um monstro verde que protege a cidade. É visto de qualquer ponto da cidade: grandioso, imponente. Do cimo dele, consegues ver toda a cidade: uma visão que todos deveriam ter. Abaixo, belas casas construídas, como se fossem calçados multicores a calçar-lhe os enormes e variados pés. Há quem seja contra essas casas, mas afinal, isso em nada me espanta, porque sempre há alguém contra alguma coisa.

Há uma praça central, que precisa de cuidados urgentes; circundada por bancos, onde encontramos pessoas tão diferentes entre si, que não se entende porque sentam juntas. Há lojas, muitas lojas, espalhadas pela cidade toda, promovendo o consumismo, o progresso - como dizem os mais jovens.

O sol, embora se faça de manhoso em muitos dos dias desse inverno, deixando a cidade cinza e fria, hoje veio manso, logo cedo, espiando tímido para dentro de cada um dos transeuntes, aquecendo-lhes a carne, trazendo-lhes um ingrediente para que possam se permitir o aquecer da alma.

Não te parece, caro amigo, que a as almas estão cada vez mais geladas? É, talvez tenhas razão, estou ficando velho, cheio de dúvidas estranhas, e perguntas mais estranhas ainda, quando já deveria ter encontrado muitas respostas. Como li outro dia: quando encontramos certas respostas, a vida muda as perguntas. E lá estamos novamente cheios de pontos de interrogações a enfeitar o alto da cabeça. Bem, antes pontos de interrogações do que outra coisa.

Há a antiga Estação Férrea, totalmente restaurada. Hoje chamam-na de a Estação da Cultura. É um belo prédio e vale a pena ser visitado. Caminhei por lá uma tarde dessas, tomei um gostoso café e provei uma apetitosa torta - Torta Napolitano, a do Café da Estação - enquanto recordava dos meus tempos de menino, quando corria pelo trilhos com uma menina, na cidade onde passei minha infância.

Lembro dela ainda, toda tímida, cheia de sardas e uma boca enorme. Encheu-me de saudades, essa que nós os velhos, guardamos e acarinhamos. O que será que foi feito dela? Será que é feliz? Tento lembrar seu nome e não consigo.

Tantas as lembranças que guardamos, não é mesmo? Passado um tempo, nem sabemos mais se guardamos o que vivemos ou o que pensamos que vivemos.

Como está Mariana? Deve estar moça. Ainda lembro dela sentada no meu colo a brincar com os meus óculos. E dona Jurema, continua a tentar as mais absurdas dietas? E tu, meu amigo de toda uma vida, o que tens pra me contar, seja novo ou velho?

Venha me visitar qualquer hora dessas, qualquer hora mesmo; porque o que mais tenho nessa altura vida é tempo disponível. Tempo de mais para fazer nada e tempo de menos para viver.

Venha, para que possamos juntos, reviver alguns dos melhores momentos de nossas vidas.

Foram bons momentos, não foram? Preciso acreditar que foram...

Um fraterno abraço,

Do teu amigo de sempre e para sempre...



música* leila pinheiro _ gostava tanto de você
imagem* da net

2 comentários:

  1. Bárbaro... (plac plac plac)
    eu sinto muita saudade das cartas que eu recebia pelo correio. Como eram bem mais interessantes que e-mail, neh?
    Ali, a letra.. a letra da pessoa que estava longe, ou perto.. mas que se preocupava mesmo em caprichar para que o outro entendesse. Como eram lindas as cartas "escritas de próprio punho" rss
    Tinha caixas e caixas delas. Tive que me desfazer de muitas, quando me mudei, por falta de espaço. Fiquei com uma caixa só, selecionadas ..

    eu adorava ficar na frente de casa esperando o carteiro passar. E ele quase sempre me trazia uma "missiva" rss

    Hj, não dá pra fazer isto, pq a carta vai parar na caixinha de correspondência..mas ainda é bom receber.
    me escreve uma carta?

    vou adorar receber...

    beijo... :)

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  2. bom dia, tche
    .
    receber cartas, bilhetes, qq coisa q fosse, q tivesse marcas pessoais era algo mto especial

    hoje alguns ainda mantém esse hábito, e é sempre gostoso receber algo assim ' pessoal', sem a frieza da tela, com fonte q todos têm.
    .
    escreverei sim, uma carta para ti, menina
    .
    prometo! *rs
    .
    .
    ...

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Minhas letras são sementes que precisam do teu olhar, da tua presença, para germinarem e gerarem algum tipo de alimento para a alma.
Obrigada pela presença.