coisas importantes do ser

Olho para a praça através do vidro da janela ainda respingado pela chuva que caiu incessantemente por dias e como quem observa uma tela, vejo ao longe coisas importantes do ser humano que ali estão sentadas no banco à espera de alguém que lhes dê carona. A sensibilidade, a felicidade a esperança, mirradas em seus corpos gelados estão à espera.
Observo de dentro da timidez da minha alma e me assombro com a força que vejo nelas. A cada um que passa, absorto em sua vida insignificante, crente que é o portador dos maiores problemas do mundo, elas estendem a mão como quem oferece ajuda. Assustada, ouço o tilintar das moedas que caem no solo imundo. A cada moeda que cai, elas vão perdendo um pouco o brilho. A cada moeda que cai, a violência e o desespero, que estão escondidos nos recantos escuros e fétidos do ser, ganham forças.
A sensibilidade fixa o olhar em mim; sinto um calor terno a percorrer o corpo. Sinto que ela tenta conhecer os caminhos que abrem o meu mundo às perspectivas. Mas covardemente fecho todos os meus vales e segredos.
Constrangida, desvio o olhar e observo o céu cinza; um céu onde não encontro alento. A chuva volta a cair e os pingos embaçam o vidro. Quero continuar observando, mas pouco consigo visualizar. A esperança, cujo sorriso se esvai a cada moeda que cai, espia pelas frestas e tenta desesperadamente me alcançar. Mas recuo e me escondo entre a cortina.
A felicidade levanta-se do banco e sinto que vai atravessar a rua cheia de lama que separa minha janela da praça. Dou as costas e sangro porque sou covarde. Afinal, ser infeliz é bem mais fácil do que ser feliz.
Chuva fria, nevoeiro, sonhos que vagam entre os pingos. Fecho os olhos e sonho: estou parada à frente do banco onde elas estão sentadas e acordo com o tilintar da moeda que cai das minhas mãos no solo imundo.
E sigo a caminhar, crente que sou a portadora dos maiores problemas do mundo...


imagem*_ chuva_ ricardo simões
música*_ 1000 oceans_ tori amos